No Brasil, as religiões de matriz africana são perseguidas desde
que chegaram às terras do pau-brasil, no início do século 16. Mais de
500 anos depois, apesar de na teoria a Constituição Brasileira garantir
que o país é um Estado laico e resguardar a liberdade de crença,
assegurando o livre exercício dos cultos religiosos pela Legislação
Federal, ainda há muito chão a se conquistar na prática.
Visto como algo penoso pela sociedade, o sacrifício de animais,
para adeptos do Candomblé e de outras religiões oriundas da África,
representa uma troca de energia vital com os deuses e com a natureza.
De acordo com o último censo do IBGE, de 2010, menos de 1% da
população brasileira pratica as religiões de matrizes africanas. O
balanço detalha ainda que há cerca de 407 mil praticantes da umbanda,
167 mil do candomblé e cerca de 14 mil de outras religiões com
diretrizes africanas.
Em uma pesquisa divulgada pelo Instituto Pew Research Center,
com sede nos Estados Unidos, 5,2 bilhões de pessoas, 75% da população
do mundo,] vivem em locais com restrições a crenças.
Para o Candomblé, o sacrifício animal e a alimentação dos
adeptos são pilares essenciais na perpetuação da religião. "Nós
comemos diferente porque fomos escravizados e obrigados a comer coisas
que não comíamos na África. Descobrimos nesses alimentos temperos e
valores diferenciados, mas que tinham um grande sabor", explica
Mãe Elza de Iemanjá, do terreiro Ilê Asé Egbé Awo, localizado em
Salgadinho, Olinda.
Para ela, o preconceito e a desinformação são empecilhos para o
entendimento da prática da imolação dos bichos. "Somos
demonizados. Isso é uma grande hipocrisia. O ato de se alimentar é uma
necessidade para se manter vivo. Cada tradição e cada país come de uma
maneira diferente", argumenta a religiosa.
Historicamente contestadas, as religiões afrobrasileiras têm de
enfrentar combates também no campo político. Em 2015, entrou em votação
o projeto de lei (PL 21/2015) da Deputada Estadual Regina Becker (PDT)
do Rio Grande do Sul, que visa proibir o sacrifício de animais em
rituais religiosos. Especialista no estudo das religiões afrobrasileiras,
o doutorando Cauê Fraga, explica que é impossível que o culto aos
orixás seja realizado sem o abate dos animais.
"O orixá não existe sem se alimentar. O sangue é o alimento
mais forte, por excelência, o orixá só é assentado [quando se cria
local para o culto ao orixá] através do sangue. E não existe a religião
sem orixá, porque eu acredito que esses orixás não estão dispostos a
deixar de comer”, diz o estudioso. Nas cerimônias de liturgia dos
cultos, após alimentar o orixá, grande parte do animal sacrificado é
consumida entre os presentes no culto.
Defensora
animal critica "seitas africanas"
Para a a ativista da causa animal Goretti Queiroz, o sacrifício
de animais em cultos religiosos deveria ser considerado crime. "Eu
acho um absurdo que os animais sejam alvo de maus-tratos por parte
dessas seitas africanas. Eu vejo isso como um crime. Outras religiões
oferecem pra frutas e vegetais pra entidades, acho que tem que ser por
esse caminho. Acredito na espiritualidade dos animais e acho
inaceitável essas cerimônias, principalmente em locais públicos",
explicou.
Por outro lado, o pesquisador de religião e mídia Evandro Bonfim
contesta a visão da ativista. "A argumentação das entidades de
proteção aos animais geralmente são fundamentadas em um evolucionismo,
taxando os rituais como obscurantistas, e um universalismo, como se as
relações das pessoas com os animais – e os deuses – fossem as mesmas
que encontramos no capitalismo ocidental", salienta.
Ele assevera que a ideia de tornar crime o sacrifício de animais
é puramente racista. "É importante perceber como velhas ideias
entram novamente em pauta, cassando direitos como a liberdade religiosa
de grupos secularmente perseguidos justamente por tentarem resistir ao
apagamento de tudo que realizaram como povo, como é o caso das diversas
etnias africanas que fazem parte da população brasileira", diz
Bonfim.
Para a Mãe Elza de Iemanjá, que é uma das organizadoras da
Caminhada dos Terreiros de Pernambuco, tudo não passa de hipocrisia.
"Algumas pessoas dizem que fazemos um massacre animal. As mesmas
compram galinha passaram dias sendo maltratadas em granjas. Ou em
grandes, vivem pedindo carnes mal passadas com o sangue
escorrendo", diz a religiosa.
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